Cartas de Baires: Da caverna para a televisão

Existe uma “argentinidad”, com uma natureza clara e definida?

Quem sou? Sou sempre o mesmo? Necessito saber quem sou? Sou o que quero ser? Ou sou o que outros necessitam que eu seja?

Estas são algumas perguntas do episódio 9 – sobre Identidade – do programa “Mentira A Verdade – Filosofia a Marteladas”, uma das três excelentes produções sobre filosofia que pode ser vistas atualmente no Canal Encuentro.

Vejam bem, eu disse três! Em se tratando deste tema, é uma façanha. Um exemplo de como a televisão argentina às vezes tem suas frestas, por onde entram temáticas que a lógica comercial jamais aceitaria.

O ciclo “Mentira A Verdade” estreou semana passada sua segunda temporada. Em 2011, foi o primeiro programa argentino a ser premiado na 46 edição do Japan Prize, que reconhece as melhores iniciativas educativas do mundo.

Conduzido pelo filósofo Darío Sztajnszrajber, o programa está destinado a jovens entre 12 e 19 anos. Mas eu, que tenho 43 e vim de uma formação escolar onde a palavra filosofia não existia, me “enganchei”, como dizem aqui. Justamente na telinha de um dos novos Embraer que a Aerolíneas Argentinas comprou do Brasil. Numa viagem e entre as nuvens – ótimo lugar para filosofar.

A partir de situações de ficção, cada episódio vai desgrenhando os diferentes elementos relacionados a um tema específico. E mediante planteios filosóficos, questiona e poe em duvida o que em geral se considera verdade absoluta sobre determinada questão.

“A cultura impõe um caminho como se fosse único e aí entra em campo o papel da filosofia, que é mostrar outras perspectivas. Isso termina gerando uma multiplicidade de perguntas, uma vertigem e, em algum ponto, angústia, porque há uma tendência muito forte do homem de agarrar-se ao seguro. E outra em sentido oposto. O humano tem esta contradição. Assim como necessitamos certezas, também necessitamos explorar”, explica Darío.

Os outros dois programas sobre o mesmo tema são “Filosofia Aqui e Agora”, conduzido por Pablo Feinmann – em quinta temporada (!) – e “Filosofia: um guia para a felicidade”.

Nas duas primeiras temporadas, Feinmann tratou de acercar os telespectadores a pensadores como Descartes, Kant, Heidegger, Marx e Sartre, por exemplo. Depois, analisou as bases do pensamento e argentino e agora parte para o fundamento do pensamento latino-americano.

Já “Filosofia: um guia para a felicidade” aborda temas como a ira segundo Sêneca, o amor na visão de Schopenhauer, a felicidade por Epicuro ou a dificuldade vista por Nietzsche. Todos podem ser vistos e descarregados no site do Canal Encuentro.

Especialmente em uma época em que todos querem respostas rápidas e definitivas, me parece um luxo poder parar, nem que seja meia hora, para reflexionar sobre temas tão abstratos – e complexos – como o perdão, o tempo, o real, o moderno, a amizade, a felicidade, o amor, a morte. E a identidade. 

Texto no Noblat AQUI

Cartas de Baires: Fertilidade, um direito

A Argentina segue avançado aos saltos em temas sociais polêmicos.

Muito em breve, tanto o sistema público de saúde quanto os planos privados terão de cobrir os custos de todos os tratamentos de infertilidade definidos pela Organização Mundial da Saúde como de “Reprodução Humana Assistida”.

A medida foi aprovada semana passada por ampla maioria na Câmara dos Deputados (169 votos a favor, seis abstenções e nenhum voto contra), e também deve passar com folga no Senado.

A taxa de infertilidade na Argentina varia entre 15% e 20% e são realizados em torno de seis mil procedimentos de fertilização por ano no país. Um tratamento privado custa entre 15 mil e 30 mil pesos e não raro precisa ser repetido várias vezes até ser bem sucedido.

O acesso gratuito envolve tanto tratamentos de baixa complexidade, como indução da ovulação, como de alta, a exemplo da inseminação intra-uterina em óvulos doados. Cobre também os custos de diagnóstico, medicamentos e terapias de apoio, de acordo com critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

Uma das criticas ao projeto é que ele não contempla o direito à identidade, tendo em vista que não estabelece a criação de um registro de doadores. Este tema específico ficou para a reforma do Código Civil, já em andamento.

Na Argentina não há uma legislação específica para a fertilização assistida. As entidades médicas entraram em um acordo que, no caso da doação de gametas (femininos ou masculinos), o doador seja anônimo. Em outros países, onde há legislação, existe um registro de doadores, com fotos e dados pessoais.

Casais do mesmo sexo, no caso de mulheres, também poderão usufruir do benefício. Os homens terão de esperar a reforma no Código Civil para utilizar o sistema chamado de “gestão por substituição”.

O debate está no ar também pela televisão argentina com a série “El Donante”, estreada recentemente. Conta a história de Bruno, um engenheiro que ganhou muito dinheiro na juventude doando esperma. Ao cumprir 45 anos, sua vida quando o personagem Violeta resolve descobrir quem é o doador que permitiu que sua mãe a concebesse. Bruno toma um susto ao constatar que 144 jovens levam seu DNA e resolve conhecê-los.

Embora o tom seja de comédia, o assunto é serio. E, por sorte, o Congresso argentino sabe disso.

Quem não tem filhos por problema de fertilidade sabe muito bem o que significa essa lei.

Esperança.

Texto no Noblat, AQUI.

Cartas de Baires: Chonino, o cachorro herói

Seu primeiro “trabalho” foi no estádio do River, no MUndial de 1978

Buenos Aires é uma das poucas cidades do mundo que possui uma rua com nome de cachorro. É em homenagem à “Chonino” e dá acesso à Divisão de Cães da Polícia Federal, em Palermo.

O bichinho tem também uma estátua e, por seu ato heróico, todo o 2 de junho se celebra o Dia Nacional do Cão.

A história é a seguinte: era uma noite chuvosa do outono de 1983 quando dois agentes da Polícia Federal abordaram uns tipos suspeitos que estavam na esquina da avenida Av. General Paz e Lastra. Eles responderam com tiros e os policiais ficaram feridos.

Chonino, um pastor alemão adestrado pela polícia, avançou sobre os bandidos e arrancou um pedaço do bolso da camisa de um deles. Junto com o tecido vieram os documentos do “meliante” que, a partir disso, mais tarde foi identificado e preso, junto como parceiro.

O cachorro foi baleado “cumprindo seu dever” e morreu no incidente, ao lado do policial que o treinou, que também faleceu na hora. Desde então recebe as honras. E tem discípulos.

Atualmente a polícia portenha tem mais de 300 cães. Eles ajudam, inclusive, a rastrear dólares e já localizaram U$S 2,7 milhões nas fronteiras do país, sendo US$ 1,5 milhão no terminal do Buquebus, que vai para o Uruguai.

Contando os cachorros “civis”, em toda a cidade são cerca de 400 mil animais segundo o Instituto de Zoonoses Pasteur. Esse número elevado fez com que os “pasea perros”, os passeadores de cães, sejam também um cartão postal de Buenos Aires quase tão famoso quanto o Obelisco.

Buenos Aires tem cerca de 400 mil cães.

Aqui, passear com cachorro é profissão. Cada passeador (alguém que saia com mais de três animais) tem que ter uma credencial emitida pelo Registro de Passeadores de Cachorros do Governo da Cidade (legislação que vários não cumprem) e conduzir no máximo oito animais (outra regra ignorada!).

Eles cobram em torno de 40 dólares por cachorro por mês, e os levam a passear uma vez por dia, entre 8 da manhã e duas da tarde. Há até um guia para encontrar profissionais.

Tamanha quantidade de animais deixa na rua um volume equivalente a 65 toneladas de excrementos por dia.

Outro postal da cidade que, não raro, termina em briga entre vizinhos. Os bairros com mais volume de excrementos deixados por cães são Palermo, Recoleta, Flores e Caballito, onde vivem pessoas com bom poder aquisitivo e que, teoricamente, deveriam ser educadas. Mas não é assim.

As madames que chegam a gastar US$ 400 por mês com seus cãezinhos (segundo pesquisa da Millward Brown Argentina) não se importam muito com os dejetos dos animais. Esse negócio de “Tu perro, tu caca” não é com elas.

Convenhamos, Chonino fez mais bonito que muita gente! A lembrar dele sábado que vem!

Texto no Noblat, AQUI.

Cartas de Baires: Terapia para todos!

A série de televisão Em Terapia desembarcou semana passada na cidade mais psicanalisada do mundo. E tem tudo para ser um absoluto sucesso.Buenos Aires possui um terapeuta para 120 habitantes, um linguajar “psi” que é dominado pela população e, convenhamos, um estoque de problemas para muitas sessões!

A versão argentina segue a ficção original, criada em Israel com o nome de “Be Tipul”, e depois vendida a 35 países do mundo, sendo a adaptação americana (In Treatment) a mais popular.

O programa, o primeiro da TV publica em alta definição, tem a lógica de uma terapia real. São 30 minutos de “sessão” sem intervalos comerciais, e cada paciente aparece em seu dia definido da semana. O papel principal, de terapeuta, ficou a cargo de um ator (Diego Peretti) que é psiquiatra de profissão e que encara o papel de psicanalista pela terceira vez em sua carreira.

Os primeiros capítulos mostraram que não serão leves os temas abordados.

Um dos pacientes, por exemplo, é um policial de elite que, em função de um erro numa operação contra narcotraficantes, acabou matando crianças e mulheres. Mas há também uma adolescente com tendências suicidas, um casal em crise que enfrente o dilema de ter um filho ou abortar e uma médica que se apaixona pelo terapeuta. O último dia da semana é reservado para reunião do terapeuta com sua supervisora (papel encarado pela grande Norma Aleandro).

Embora a psicanálise seja uma das grandes paixões argentina, o método terapêutico da série, na verdade, não é de linha psicanalítica. Segundo a produção, “é um ramo da psicoterapia subjetiva, derivada da freudiana, em que o terapeuta é parte do jogo, onde suas emoções e sentimentos fazem parte da sessão”.

Todos os encontros podem ser vistos, no dia seguinte após a exibição, na página do programa no Facebook AQUI.

Em tempos de TV aberta de tão baixa qualidade, me parece um luxo que uma televisão pública invista em uma série baseada exclusivamente na palavra e no roteiro, sem grandes produções, sem ação em tempo integral, sem tiros, sem correria. E, principalmente, sem mulher pelada.

São apenas duas pessoas, às vezes três, sentados um em frente ao outro, falando de intimidades. Pausas, silêncios, frases inteligentes, boa fotografia, excelentes atores. Que mais se pode pedir?

“A audiência culta se constrói”, afirmou o diretor Alejandro Maci.

Se fosse terapia, dava “alta” para a TV Pública argentina.

Abaixo, um pouco de cada personagem, para quem quiser acompanhar pela internet

Texto no Noblat, AQUI.

Cartas de Baires: Durar não é o mesmo que viver

A Argentina – para um grande jornal brasileiro um país “parado no tempo” avança a passos largos em temas muito contemporâneos.

Aprovou semana passada a chamada lei de “morte digna”, que permite ao paciente terminal ou em estado irreversível rejeitar tratamentos médicos que possam prolongar seu sofrimento ou “vida artificial”, conectada aos aparelhos.

Quem já viu uma pessoa querida sendo submetida a uma verdadeira tortura apenas para “durar” mais entende perfeitamente do que se está falando.

Aconteceu comigo em 2005, com a minha avó. Tive o privilégio – porque despedir-se de um ser querido o é – de estar com ela na véspera de sua morte, durante toda a noite, de mãos dadas.

Há dias ela não comia, por decisão própria, e isso foi causando uma série de falências em outros órgãos. Nessa reta final, ela não conseguia nem tomar água. Eu ficava molhando seus lábios com um paninho úmido para não ressecarem.

Sabíamos que ela tinha optado por não viver mais. Não estava doente, estava apenas cansada. Queria ir. Meu pai, que é médico, decidiu não interná-la. Seria cuidada em casa por ele e enfermeiras, rodeada do nosso amor.

Após esta noite de vigília, justo quando estava amanhecendo, ela abriu os olhos, olhou para o soro e me pediu: me desliga? Ela queria que eu tirasse a única coisa que a mantinha viva. Na hora me pareceu o mais certo a fazer, mas a gente não podia. Para nosso alívio, morreu naquela mesma manha.

A medida aprovada na Argentina permite isso e era pedida espacialmente por familiares de pessoas que se encontram em estado vegetativo. Játinha sido aprovado pela Câmara dos Deputados, e agora recebeu votação unânime do Senado.

A lei dá a palavra final ao paciente, que deve deixar por escrito uma autorização de suspensão destes cuidados (inclusive o soro). Um familiar próximo também está habilitado a autorizar a interrupção do tratamento, nos casos em que a pessoa hospitalizada não esteja consciente.

Mas a legislação também permite que o paciente ou o familiar possam voltar atrás, se mudarem de ideia e optarem pela continuidade do tratamento. A nova lei adverte, porém, que “fica expressamente proibida a prática de eutanásia” e inclui que nenhum profissional de saúde será punido por atender a vontade do paciente ou da orientação dada por um familiar da pessoa internada.

Este é apenas um dos temas considerados “delicados” que a Argentina resolveu encarar. Mas há outros. Além de ser um dos países pioneiros no matrimonio igualitário e na condenação de repressores da ditadura militar, aprovou esta semana uma lei que permite escolher livremente, sem intervenção médica ou judicial, a identidade sexual.

 O conceito de “desenvolvimento”, por sorte, não tem apenas o viés econômico. 

Leia coluna no NOBLAT, AQUI

Cartas de Baires: O real valor desta cidade

Turistas brasileiros em Buenos Aires têm reclamado que está tudo mais caro por aqui. E está mesmo. Muito mais. Quando cheguei à Argentina, há três anos, por exemplo, o trajeto do aeroporto de Ezeiza para a cidade custava 80 pesos. Agora são 200 pesos.

É o primeiro choque que o sujeito tem quando sai do avião. Mas há outros. A inflação é um dos principais problemas a ser enfrentado pelo atual governo.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INDEC) prevê para este ano uma inflação de 9,8%. Mas todos sabem que a alta do custo de vida é muito mais veloz do que a divulgada pela Casa Rosada. Economistas privados falam em 25%. Para os curiosos, sugiro espiar o site Inflación Verdadera, que publica diariamente os preços de 150 produtos.

Na realidade não precisa de índice. Reconhecido como um dos serviços mais baratos da capital portenha, o táxi é apenas um dos exemplos de como a cidade tem ficado mais cara. Foram dois aumentos pesados somente no ano passado. Hoje, para calcular uma corrida, o ideal é consultar antes o blog Viajo en Taxi. O bife de chorizo também ficou salgado (nãomenos de 60 pesos) e valor dos alugueis temporários dispararam.

A boa notícia é que os brasileiros agora podem relaxar, deixar um pouco as compras de lado e realmente curtir a cidade, que oferece um monte de atividades gratuitas(ou quase) e está de matar de linda no Outono.

Caminhar pelos parques nesta época do ano, admirando esculturas de grandes artistas, Rodin inclusive, é uma das melhores pedidas. Entrar em qualquer museu nacional, como o de Belas Artes, recentemente reformado, também não custa nada.

Assim como passear por Puerto Madero ou Corrientes no final da tarde ou ver um show de tango na rua. Ah, todos os museus do Governo da Cidade, como o Carlos Gardel ou o de Cinema, custam somente um peso, menos de 50 centavos de Real.

O city tour tradicional também pode ser substituído por uma voltinha no ônibus 152, que atravessa Buenos Aires, de La Boca a Olivos, passando pelos principais pontos turísticos. A passagem custa um peso e vinte centavos! E, de lambuja, o visitante pode ter uma ideia de como é a vida real dos moradores.

Há visitas guiadas gratuitas oferecidas pelo governo da cidade todos os dias, excelentes exposições de fotografia na fotogaleria do Teatro San Martin e concertos de música em diversos centros culturais, como o da Recoleta, que tem apresentações de orquestras de câmara todas as quintas-feiras.

O Teatro Colón também tem uma agenda de espetáculos que não custam nada, basta conferir a programação. Uma boa dica para quem quer gastar pouco é checar o site Grátis em Buenos Aires. 

Espero que a inflação ajude a corrigir um pouquinho o rumo do turismo brasileiro em Buenos Aires, que estava exacerbadamente consumista. Nada contra comprar um “regalo”, mas enfrentar uma fila na Lacoste ou se engalfinhar para comprar um rímel da MAC não pode ser motivo de viagem.

Ou pelo menos não de uma viagem a Buenos Aires. Se não der para corrigir este rumo, só corrigindo o outro. E comprando uma passagem para Miami.

Texto integral no Noblat, AQUI. 

Cartas de Baires: Matando um leão por dia

Os jornais argentinos publicaram no final de semana as primeiras pesquisas de opinião pública sobre a expropriação, por parte do governo argentino, de 51% das ações da YPF que estavam nas mãos da espanhola Repsol.

Levantamento feito pela Poliarquia Consultores para o jornal opositor La Nación  mostra que 62% dos argentinos apóiam a medida. “Existe um apoio majoritário, mas também a consciência da opinião pública sobre as razões da crise energética e as conseqüências que esta medida pode ter para a imagem do país”, disse Sergio Berensztein, diretor da empresa.

No Página12, mais alinhado ao governo, pesquisa feita pelo Centro Estudos de Opinião Pública (CEOP) mostra que os números chegam a 74% de aprovação. Igualmente, 67,1% dos leitores apontaram conhecer os motivos da expropriação. Citaram a falta de investimentos por parte dos espanhóis e a necessidade de tirar da mão de estrangeiros o controle de recursos naturais estratégicos.

A imagem da presidente Cristina Kirchner também melhorou – passando dos 60% de aprovação – e seus seguidores em twitter bateram a casa de 1 milhão.

A prova de fogo será amanhã, quando o Senado discutirá o projeto de lei que declara de interesse público a exploração de petróleo. O debate deve entrar noite adentro.

O governo espera contar não apenas com a bancada aliada, mas também com boa parte da oposição. Fala-se em 65 votos a favor, de um total de 72 senadores. Na Câmara, a expectativa é chegar a 80% de apoio. Até o ex-presidente Carlos Menem, que privatizou a companhia, mudou de lado.

Um bom artigo sobre o tema foi publicado ontem na Folha de São Paulo pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro da Fazenda de José Sarney e ministro da Administração e também de Ciência e Tecnologia durante a gestão de Fernando Henrique, para citar uma fonte menos suspeita de “cristinismo”.

Sob o título A Argentina tem razão, questiona se “o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou se são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses”.

O ministro das Relações Exteriores da Espanha disse – referindo-se à Argentina – que quando um regime está em dificuldade, sempre busca um inimigo no exterior. Mas esta frase é, em realidade, um auto-retrato de seu próprio país, onde um regime ultraconservador acaba de fazer um brutal ajuste em educação e saúde, a economia está à deriva, o sistema bancário ao borde do colapso e o desemprego altíssimo.

Para completar, tem uma família real atolada em escândalos de corrupção, matança de elefantes, amantes alemãs e tiros no pé. Parece lógico que abrace a bandeira de Repsol como causa nacional, “pateando la pelota afuera”, como dizem aqui na Argentina.

A culpa do próximo colapso da Espanha seria de Cristina, e não das políticas desastrosas do PSOE, antes, do PP agora, somadas às pressões de Merkel, do FMI e dos bancos.

Texto original, no Noblat, AQUI.

Sugiro a leitura do ótimo artigo POR QUE BUENOS AIRES ENLOUQUECE A MìDIA, publicado no The Guardian por Mark Weisbrot. Ele  é co-diretor of the Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), em Washington. Também é co-autor de Ao Sul da Fronteira, documentário de Oliver Stone. Em 28 de março, a Folha de S.Paulo, que reproduzia a cada duas semanas alguns de seus textos, interrompeu a publicação, sem oferecer motivos aos leitores.

Para quem não acompanhou a história dos leões, deixo o vídeo abaixo. Impressionante.

Cartas de Baires: Morre a única argentina retratada por Andy Warhol

Com a igreja, com Alfonsín, com Menem e com Duhalde; Amalita consolidou sua fortuna com o amparo do poder (fotos pagina 12).

 

O tamanho do nome dá uma pista de onde vem a fortuna da mulher mais rica da Argentina, falecida sábado, aos 90 anos: Maria Amalia Sara Lacroze Reyes Oribe de Fortabat.

E as imagens dela, publicadas na imprensa, uma mostra de como esta fortuna foi engordando ao longo dos anos.

“Amalita” com a igreja durante a ditadura e íntima dos presidentes Ricardo Alfonsín, Eduardo Duahalde e Carlos Menem. Este último a nomeou “embaixadora itinerante”, cargo eliminado por Kirchner ao assumir o poder.

Filha de um aristocrata argentino, alfabetizada em frances e inglês antes do castelhano, Amalia começou a construir seu império em 10 de janeiro de 1976 quando seu esposo, Alfredo Fortabat, morreu de um derrame cerebral aos 81 anos. Com 54 anos, recebeu uma das maiores heranças já vistas pelo país.

Segundo o livro Os Donos da Argentina, do jornalista Luis Majul, entre os bens estariam 23 campos com 170 mil cabeças de gado­­; cinco empresas de cimento; um edifício inteiro na avenida Libertador (uma das mais caras de Buenos Aires); uma casa em Mar del Plata; um duplex no Hotel Pierre, em Nova Iorque; dois aviões, um helicóptero, um barco e diversos automóveis.

Além da administração de cinco mil empregados, e da cadeira de diretora da empresa de cimentos Loma Negra (a maior do país, mais tarde vendida para a Camargo Correia), na qual sentaria apenas cinco dias depois da morte do marido.

Em 1980, a viúva tinha quadruplicado seu patrimônio, estimado recentemente pela revista América Economia em U$S 902 milhões.

Fortabat teve papel importante no mercado de arte e deixou para Buenos Aires um museu ainda pouco visitado, chamado Coleção de Arte Amalia Lacroze de Fortabat, em Puerto Madero. Projetado por Rafael Viñoly, o prédio por si só já vale a visita.

Na coleção de mais de 200 peças estão obras de Salvador Dalí, Rodin, Klimt, Chagall, Miró, Xul Solar e Antonio Berni. E dois xodós, “Julieta e sua Aia” (1836), do pintor inglês William Turner, arrematado por US$ 7 milhões, e o “O Censo em Belém”, de Peter Brueghel.

Outro óleo que atrai olhares é o que retrata a própria Amalia vista pela lente colorida e pop de Andy Warhol. Foi a única argentina retratada pelo americano que, dizem, por estar em dificuldades econômicas começou a fazer, por encomenda, séries de retratos ao “estilo Marilyn”.

A divisão da herança deve render muita confusão. Dizem que Fortabat, que tem apenas uma filha, fez e refez seu testamento diversas vezes e que teria ainda cerca de 4 mil obras de arte espalhadas por suas varias casas na Argentina e Estados Unidos. Uma herança que dava outro museu.

Texto no Noblat, AQUI. 

Cartas de Baires: Olha o Moacir aí, gente!

Uma figura esse Moacir!

Brasileiro, naturalizado argentino em 1984, Moacir Santos chegou a Buenos Aires fugindo da pobreza, do abandono do pai e de uma mãe alcoólatra. Compositor, com um talento nato para cantar, passou dez anos internado no hospital neuropsiquiátrico Borda com um diagnóstico de esquizofrenia paranóide.

Hoje, aos 69 anos cumpridos semana passada, Moacir é uma espécie de celebridade na capital argentina. Teve alta (ganha uma ajuda de custo para viver sozinho), acaba de estrear um documentário e de cumprir o sonho de todo o músico: gravar um disco.

O cd inclui 12 músicas, sendo oito delas composições próprias, que ele havia registrado quando chegou à Argentina e dava como perdidas. Entre elas, tangos, sambas, e boleros. Além de ótimas marchinhas!

O resgate – das músicas e da vida – veio pelas mãos do cineasta Tomás Lipgot, que descobriu Moacir ainda em sua fase de internação, quando filmava outro documentário no Borda.

O brasileiro chamou a atenção do diretor por seu talento, mas também por sua doçura e bom humor. Lipgot decidiu então ir atrás das partituras que ele dizia ter registrado. Estavam lá.

Fizeram um trato. Se Moacir gravasse um disco, Lipgot faria um filme sobre a sua vida. E fez. O documentário é isso, o dia a dia do Moacir, sua personalidade, seu humor e a epopéia da gravação, que teve como padrinho o músico Sergio Pángaro.

O filme começa a ser apresentado no Brasil mês que vem, em Porto Alegre, no Festival de Verão do RS e, se tudo der certo, vai circular por todo o país. Não deixem de assisti-lo!

Por aqui, é o maior sucesso. Tanto é que as apresentações no Malba agora incluem um petit show no final. Moacir ao vivo.

No filme, tem uma hora que Pángaro profetiza: a Marcha do Travesti vai pegar! Não deu outra. Terminado o documentário a gente sai com o tema na cabeça. “Zazá, Zezé, Zuzu. Não precisa dizer mais nada”.  É a marchinha do Carnaval de 2012 em Buenos Aires.

Com a pinta que tem – careca (usa perucas crespas e alisadas para se apresentar), muitos dentes “a menos”, um óculos de sol enorme e um portunhol nem sempre entendível – Moacir podia ser o que muitos chamam de bizarro. Mas não.

Moacir é um homem brilhante. Não porque seja um artista excepcional, mas pela forca que o faz seguir adiante apesar da absoluta solidão e pobreza. E pelo exemplo de vida que nos dá.

 

Íntegra no Noblat, AQUI.

Cartas de Baires: O pequeno príncipe e o essencial, já não tão invisível para os olhos

Foto Juan Travnik

O aniversário da Guerra das Malvinas, que completa 30 anos em 2012, é “o” tema do ano na Argentina. Começou com uma piada e com duas boas notícias.

As risadas foram causadas pelo primeiro ministro britânico David Cameron, que chamou a Argentina de “potência colonialista”. Vindo de quem vem, é surreal. Dias depois, no mais moderno navio da Royal Navy, desembarca nas ilhas o príncipe William, herdeiro do trono britânico.

As boas notícias são a atitude negociadora argentina e a busca de aliados internacionais para forçar o diálogo sobre a soberania das Malvinas.E também a autorização, pela presidente Cristina Kirchner, da abertura do Informe Rattenbach, documento que investigou a responsabilidade das autoridades militares na guerra entre Argentina e Grã Bretanha.

O texto leva o sobrenome do general que liderou os trabalhos, a pedido do então presidente de facto Reynaldo Bignone. Começou a ser elaborado em dezembro de 1982 e, por suas conclusões, foi arquivado sob o selo de “Segredo de Estado”, o que o protegeria por 50 anos. A abertura do documento, agora, é histórica.

Fragmentos do informe, que já circulam há tempos pela internet mas não tinham o reconhecimento oficial, deixam claro o que todo mundo já sabe – que o país não estava preparado para uma guerra, que este não era o método para recuperar as ilhas, e que a improvisação foi total.

“Medidas irreflexivas e precipitadas”, “aventura militar”, “falha de coordenação entre comandos”, “falta de informação sobre o inimigo”. E por aí vai.

Os soldados argentinos não tinham nem a instrução básica de tiro e combate, não havia estoque de comida (muitos morreram por desnutrição), mais de 60% das bombas argentinas não explodiam porque não tinham o trem de fogo preparado para alvos navais.

Segundo dados oficiais argentinos, 649 soldados morreram em combate e 1.068 foram feridos. A Inglaterra reconhece 255 falecidos entre suas tropas e cerca de 700 feridos.

Para os interessados no assunto, deixo a dica de dois livros. Fantasmas de Malvinas Cruces: idas y vueltas de Malvinas, de FedericoLorenz, este último escrito em parceria com María Laura Guembe.

Eles compilaram 80 de quase 3 mil fotos inéditas da guerra que encontraram após investigação que contou com o apoio de ex-combatentes, familiares das vítimas e militares argentinos. As imagens são impressionantes.

Para muitos jovens, além de estar em guerra, era a primeira vez que viam o mar, que voavam de avião, que passavam frio. O que puderam, registraram.

Lorenz diz que o melhor lugar para entender o conflito é o Museu Imperial da Guerra, em Londres. Muitas das cartas e fotos enviadas pelos oficiais argentinos, pelo menos as que não foram picoteadas pelos “isleños”, foram roubadas pelos ingleses. Histórica tradição britânica.

Texto no blog do Noblat. 

Algumas fotos estao no vídeo abaixo. Não tem áudio.