Em 1974, o músico Astor Piazzolla sofreu um infarto justo quando estava na Argentina – vivia em Paris. Durante sua recuperação, recebeu a visita do jornalista brasileiro Eric Nepomuceno, que já naquela época morava em Buenos Aires (segue aqui, escrevendo seus belos e esclarecedores textos para Carta Maior).
Na ocasião, ele teve o privilégio de escutar uma música nova que Piazzolla tinha feito e que queria que Chico Buarque pusesse letra. Cassete gravado, Nepomuceno foi o portador da encomenda. Chico achou a composição linda, mas não conseguiu se inspirar.
Em 1988, Piazzolla fez uma turnê de três semanas pelo Brasil e houve um encontro entre os dois artistas. O argentino fez, então, um arranjo especial para a música e Chico prometeu que, desta vez, a letra saía. Quer dizer, que iria fazer em cinco dias o que não tinha feito em mais de dez anos. Novamente não rolou.
O problema é que Piazzolla ia participar do programa Chico & Caetano, e teve uma crise de fúria quando ficou sabendo que continuava só com a melodia. Pareceu-lhe um descaso. Precisou ser contido por Tom Jobim que, de mestre para mestre, conseguiu apaziguar os ânimos. “Ele vai jogar futebol e deixa a gente sem música”, teria dito Jobim, numa tentativa de acalmá-lo e convencê-lo que o problema não era pessoal, era com todos.
Esta e outras histórias sobre as passagens de Piazzolla pelo Brasil estão na excelente livro Astor Pizzolla – su vida y su musica, biografia escrita por Maria Susana Azzi e Simon Collier.
São muitas.
Entre elas o dia em que Dori e Nana Caymmi o levaram para escutar Milton Nascimento no Teatro da Lagoa, no Rio de Janeiro, e o concerto íntimo que o argentino deu apenas para a nata dos músicos brasileiros, que se estendeu até às seis da manhã, com Amelita Baltar cantando Balada para um Louco e todo mundo chorando.
Aparece também a vaia que recebeu no Maracanazinho durante o Sexto Festival Internacional da Canção; o dia em que conheceu Vinícius; e os bastidores da criação de “Tango Suíte”, obra que compôs para os violonistas brasileiros Sergio e Odair Assad.
No próximo dia 4 de julho completam 20 anos da morte deste que é, talvez, um dos maiores músicos do século XX. O espaço desta coluna não é suficiente para explicar a importância de Piazzolla para o tango e para o mundo. Melhor escutá-lo. Ou caminhar por Buenos Aires num dia frio de inverno.
Mas é espaço bastante, sim, para fazer um pedido: pôxa, Chico, faz essa letra!
Texto no Noblat, AQUI.