Crônicas inéditas de Caio Fernando Abreu

‘Outro dia, uma amiga se queixou ao telefone- ‘Tenho vinte e sete anos e descobri que, até agora, tenho me alimentado de migalhas’. Falei qualquer coisa banal e consoladora, como ‘a vida é assim mesmo, paciência’ – e desliguei. Só não desliguei a cabeça- a frase ficou dias dando voltas dentro dela. Até que, não lembro bem como, de algum lugar de dentro de mim veio a resposta que não cheguei a dar à minha amiga- ‘Mas será que isso que você chama de migalhas não será, afinal, o próprio pão?’

A vida gritando nos cantos  – Caio Fernando Abreu

Com o objetivo de resgatar a história do escritor Caio Fernando Abreu e ampliar o conhecimento das novas gerações sobre sua obra, a editora Nova Fronteira lança esta semana “A vida gritando nos cantos” uma coletânea de crônicas “inéditas”, publicadas em jornais, nas décadas de 80 e 90.
As crônicas foram reunidas e organizadas pelas pesquisadoras Liana Farias e Lara Santana. 
A Liana, que mora aqui em Buenos Aires, conta que escolheu Caio Fernando Abreu como tema de sua monografia de conclusão do curso de Jornalismo em 2010. O foco era a abordagem que ele fez da aids nas crônicas que publicou, entre 1986 e 1996, no jornal O Estado de S. Paulo.
Buscou textos em cada um dos exemplares disponíveis no acervo da biblioteca do Senado Federal e, para sua surpresa e alegria, encontrou dezenas de crônicas que nunca tinha lido.
Ela começou então uma missão de fazer com que outros leitores tivessem acesso a essas crônicas. Digitou todos os textos, organizou-os em um único arquivo e buscou os responsáveis pelos direitos autorais do Caio.

Um ano depois, em 2011, entrou em campo a pesquisadora Lara Souto Santana, que também desenvolvia um trabalho de pesquisa envolvendo as crônicas “inéditas” do escritor.  Elas trabalharam juntas na revisão de todo material e o resultado está aqui.

Meninas, a gente agradece!

Agora essa dupla tem novo desafio: elas precisam de apoio para organizar a SEMANA CAIO FERNANDO ABREU, em Porto Alegre, que irá incluir exposição de objetos pessoais e acervo; projeção de filmes, mesa de debates e colocação de uma placa em homenagem ao escritor, na casa onde ele viveu, na capital gaúcha. 

Tá lindo o site do Caio

O financiamento coletivo de projetos, tema da coluna Cartas de Buenos Aires de amanha, no Blog do Noblat, está possibilitando tirar do papel um monte de iniciativas bacanas.

Uma delas é o site oficial do escritor Caio Fernando Abreu, que nasce com a proposta de reunir todo o material disponível sobre ele e que anda dando voltas por aí em diferentes arquivos.  O site é resultado de pequenas doações de muitos fãs e está super lindo. Tem galeria de áudio, fotos e vídeos; biblioteca de trabalhos acadêmicos, livros e traduções de obras do autor, cartas, matérias publicadas na imprensa sobre ele.

Cliquem lá que tá bacana.

Dica de Leitura: A Vendedora de Fósforos

Foto: Divulgação editora Rocco

Reproduzo abaixo a crítica do livro A Vendedora de Fósforos, de Adriana Lunardi, feita pelo escritor Paulo Scott e publicada esta semana no Jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul.

A obra é muito boa, mas como conheço a autora e não entendo nada de crítica literária, sou absolutamente suspeita e ao mesmo tempo ignorante para escrever sobre o livro.

Agradeço a Ricardo Heinen por ter me presenteado com dois exemplares. Um seguirá adiante no Natal. É da Mana, por supuesto.

A minha irmã

Adriana Lunardi lança o romance “A Vendedora de Fósforos”

Como procuro anotar em toda resenha que faço, advirto: não sou candidato a crítico literário e jamais aceito o convite para escrever sobre livro do qual não tenha gostado. O frágil contexto literário brasileiro contemporâneo não merece que se some a seu castigo o peso minúsculo das minhas rejeições. Essa premissa dramática se concerta com o fato de eu ser leitor que acompanha com atenção a obra dessa autora que nascida em Santa Catarina veio crescer em nosso Estado, Adriana Lunardi, que agora lança o romance A Vendedora de Fósforos.

Como aconteceu com Michel Laub e seu trabalho recente (sim, dedico idêntica atenção de leitor a Michel e a outros autores), Adriana Lunardi, que já produziu obras importantes como Vésperas (2002), livro no qual recria, ficcionalmente, os últimos dias e momentos das vidas de escritoras de grande personalidade – como Virginia Woolf e Ana Cristina César, Dorothy Parker e Clarice Lispector –, conquista excelência na sua carreira de escritora com A Vendedora de Fósforos. A história, centrada na relação entre duas irmãs, começa com a protagonista recebendo, por telefone, a notícia de que sua irmã fora hospitalizada em razão de uma crise nervosa. A simplicidade alinhada à ousadia em nominar gestos, estados, condições, traça um roteiro calçado pela linguagem que não é exatamente uma linguagem poética, reduzi-la a esse rótulo seria diminuir o esforço bem-sucedido que a autora comete ao encaixar as palavras de maneira a seduzir o leitor logo na primeira página com manobras que resultam muito além da sonoridade, da plasticidade. As palavras e seu uso, novo ou não, estão ali justificadas em função da história.

A densidade dessa história, uma densidade não revelada de imediato, se agrega pela concomitância de duas linhas narrativas que ao final se encaixam e se justificam. A estranheza realçada no livro, que poderia sugerir um atrativo fácil, desses recorrentes e necessários ao mundo literário que disputa espaço como nunca com a abundância de entretenimentos em plataformas eletrônicas, está na falsa confusão entre a narrativa e a vida da autora. Mesmo não conhecendo Adriana (sou apenas seu leitor), sei que moramos na mesma cidade e imagino que a ambiência inserida em A Vendedora de Fósforos seja flagrantemente similar à sua vida no Rio de Janeiro.

A sugestão nessa similitude biográfica, presente nas obras de outros autores brasileiros contemporâneos, como é o caso, por exemplo, de Miguel Sanches Neto, funda uma estratégia que em nada interfere com o sucesso da narrativa; serve, entretanto, para acelerar a cumplicidade que introduzirá os percalços de uma família de cinco pessoas (o casal, um filho, duas filhas) e sua sobrevivência cheia de lacunas. Serve para circunscrever o relacionamento entre aquelas duas irmãs que, de certa forma, progridem num universo darwiniano muito peculiar. Há zelo e perversidade que não se descobrem tão somente no trânsito pelo convívio e falências sociais: há modos diferentes de amar e criar versões para o amor, há modos diferentes de atender.

Sobrevivência e liquidez de identidade, entre identidades, atraso e vitória, inevitáveis, perdidos entre as dúvidas de um olhar final. Uma boa história não liga para o que já foi contado, tudo já foi contado, abre, sim, janela afastando e, paradoxalmente, consolidando heranças com as quais é preciso dialogar por ser justamente esse um modo de subverter a finitude e os desastres que os outros (e nossa vida nem sempre pacífica com os outros) produzem dentro de nós. Adriana fala de cidades, fala das idiossincrasias da sua geração. Tomando de novo em conta também o livro recente de Laub, Diário da Queda, daria para anunciar que se vive um interregno de acertos de contas, mas isso serviria apenas para diminuir o poder de transfiguração que, apesar dos clichês e estereótipos, sempre haverá na literatura, na boa literatura.

Desde sempre sou um leitor compulsivo e ansioso, interrompo a leitura, corro páginas e olhos até o final, valendo-me do final, para assim jogar, de modo infantil até, com a fortuna que desejo encontrar na leitura. Algumas vezes, mesmo com as narrativas mais instigantes, essa mania me aprisiona num contexto de ligar um ponto ao outro. Não foi o que ocorreu com o belíssimo livro de Adriana. Final que, sob qualquer ângulo, causará perplexidade e levará o leitor a pensar por dias sobre o que a vida é capaz de esconder. Isso. Aqui, um livro que merece atenção.

*Paulo Scott.  Escritor, autor de “Voláteis”

AQUI, resenhas do VALOR ECONÔMICO e da VEJA

Novo livro de Max Mallmann

Como vocês podem ver pelo “booktrailer” acima, chega em grande estilo o novo livro de Max Mallmann, chamado O centésimo em Roma.

O lançamento no Rio de Janeiro foi ontem, na livraria Travessa, mas ainda dá tempo de prestigiá-lo no de Porto Alegre, dia 8 de maio, na livraria Cultura do Bourbon.

Para quem não conhece o Max, lhes conto que ele é um gaúcho de Porto Alegre, adotado pelo Rio de Janeiro desde 1999. Portanto, “tri maneiro”.

Desde 2005, integra a equipe de roteiristas do seriado A grande família, da TV Globo, mas já escreveu também para os programas “Malhação”, “Coração de Estudante” e “Carga Pesada”.

É autor dos romances Confissão do Minotauro, Mundo bizarro (ganhador do Açorianos de 1996) , Síndrome de quimera (finalista do Jabuti) e Zigurate.

Bom, e  para quem conhece o Max… não preciso dizer muito. Aposto que o novo livro, além de muita pesquisa histórica deve ter, claro, também boas doses de humor.

Deixo vocês com a sinopse publicada no site da editora Rocco.

Ao iniciarmos a leitura de O centésimo em Roma , quinto livro de Max Mallmann, somos transportados para a Roma Antiga, entre os anos 68 e 70 d.C. Recuamos dois milênios no tempo.

Nessa viagem ao passado, acompanhamos as atrocidades de imperadores despóticos, convivemos com a ambição e os vícios da aristocracia romana e seguimos os legionários em suas caçadas aos cristãos.

Tudo isso no cenário de uma cidade barulhenta, em cujas ruelas estreitas se cruzam pregoeiros, cambistas, mendigos, adivinhos, dentre outros indivíduos de diferentes raças e culturas, vindos de diversos pontos do vasto Império.

No bairro pobre, onde mora o protagonista do romance, frequentamos tabernas, tomamos contato com a gente simples que, entregue a si mesma, luta para sobreviver, sem qualquer possibilidade de interferir nos rumos tomados por aquela república sui generis. Gente que, aglomerada nas praças, assiste a cenas violentas decorrentes de insanas disputas pelo poder como se estivesse nos espetáculos circenses, torcendo por uns ou por outros, fazendo apostas para auferir algum lucro.

Curiosamente, quanto mais nos enredamos na política e nos costumes desse tempo tão afastado do nosso, mais somos assaltados pela incômoda impressão de que a distância entre aquela realidade e a que vivemos não é tão grande como tínhamos imaginado.

Texto completo no blog do MAX

Comecemos o dia com Clarice

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A literatura brasileira anda em alta na Argentina. No final de semana passado, o suplemento Radar Livros, do jornal Página 12, deu duas páginas sobre João Gilberto Noll, o que me chamou a atenção. No mesmo dia tinha uma nota sobre Clarice na Revista Ñ, de Clarín, na coluna do Diego Erlan. Ele destacou a nova biografia da escritora, escrita pelo tradutor e crítico literário Benjamin Moser.  Lembrou inclusive, de uma frase de Elizabeth Bishop sobre Clarice, que eu não conhecia: “Yo creo que es mejor que Borges, que era Bueno, pero no todo era bueno”. Hoje, abro a página da livraria Eterna Cadência na internet, e começo o dia com uma poesia de Elisa Lucinda. Isso é bom, né?

Como entre os três escritores sou mais Clarice, deixo abaixo três links com textos e contos em espanhol, para que os argentinos também possam conhecer a melhor escritora brasileira, e um fragmento de O Silêncio.

Ciudad SevaEl Poder de la palavra, e Letras s5

“Se puede pensar rápidamente en el día que pasó. O en los amigos que pasaron y para siempre se perdieron, pero es inútil huir: el silencio está ahí. Aún el sufrimiento peor, el de la amistad perdida, es sólo fuga. Pues si al principio el silencio parece aguardar una respuesta -cómo ardemos por ser llamados a responder-, pronto se descubre que de ti nada exige, quizás tan sólo tu silencio. Cuántas horas se pierden en la oscuridad suponiendo que el silencio te juzga, como esperamos en vano ser juzgados por Dios. Surgen las justificaciones, trágicas justificaciones forzadas, humildes disculpas hasta la indignidad. Tan suave es para el ser humano mostrar al fin su indignidad y ser perdonado con la justificación de que es un ser humano humillado de nacimiento. Hasta que se descubre que él ni siquiera quiere su indignidad. Él es el silencio”.

Uma lenda chamada Sérgio Jacaré

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Porque ainda é inverno, porque ando emotiva, porque deu saudades, porque quando ele morreu foi a primeira – e última vez – que vi chorando uma pessoa que quero muito, porque sou do pampa, porque a Débora lembrou antes, e eu lembrei agora. Por que?

Bueno, não sei…mas fiquei com vontade de publicar algo aqui sobre Luiz Sérgio Metz, o famoso Jacaré, o nosso Rimbaud dos Pampas, autor do romance Assim na Terra (Artes & Ofícios, 1995), considerado uma das 10 mais importantes obras de ficção do Rio Grande do Sul de todos os tempos.

Antes, clica aqui e põe uma trilha sonora. Contatos Imediatos do Terceiro Mndo, letra de Jacaré, interpretada pelo Tambo do Bando.

Luiz Sérgio Metz nasceu em Santo Ângelo (RS) no dia 3 de junho de 1952. Criou-se na cidade natal, estudou Comunicação Social em Santa Maria e viveu sua carreira profissional em Porto Alegre. Foi escritor, jornalista e letrista do grupo Tambo do Bando. Jacaré, como era conhecido, morreu de câncer em 20 de junho de 1996.

“Ele próprio era uma síntese. Filho de pai descendente de colonos alemães e de mãe de colonos italianos, se criou nos arrabaldes de Santo Ângelo, coração das Missões, viveu como guri entre a cidade e o campo, foi cavalariano no Exército, cruzou com índios e castelhanos, conheceu o Sul profundo da vida estancieira, cursou a Universidade, foi jornalista, pai de filhos, pós-graduou-se em literatura, amou, viveu rápido, escreveu, fez amigos para toda a eternidade”, disse Luís Augusto Fischer, em texto reproduzido também em PAMPAURBANA, blog que traz uma longa matéria sobre Metz.

Jaca“Era a noite em que principia o inverno. Fria, chuvosa. A noite do solstício. Um dia simples findava. Num leito de hospital, em Porto Alegre, um homem perdia sua batalha derradeira. Havia passado as últimas quatro semanas lutando contra o desfecho do qual ninguém escapa, mas contra o qual – tristemente – todos lutam. Já estava calmo. Último, e único, varão de uma família recheada de mulheres, tinha 44 anos. Dois livros publicados. Um filho. Uma filha. Uma obsessão: o Sul.”. Parte de texto de Flávio Ilha, publicado na revista APLAUSO.

PS: Alguém, por favor, sabe onde posso conseguir CDs do Tambo do Bando para baixar? Ou quem sabe uma alma caridosa grava e me manda de presente?

Doidivana

Sim-ples-men-te AMO os contos e minicontos de Ivana Arruda Leite.

Leiam esse e se quiserem mais é só clicar: http://doidivana.wordpress.com/.

MULHER É TUDO IGUAL

Eu e a Marieta Severo não temos tempo pra solidão. Ela foi casada com Chico Buarque, eu com João Teodoro. Ambos nos deram muito trabalho. Teodoro era alcoólatra e me batia na cara. Passei com ele os piores momentos da minha vida. Como se não bastasse, era meio veado, o cara. Vivia se enroscando com garotinhos por aí, depois os trazia pra casa e me apresentava como coleguinhas de trabalho. Ora, vê se eu sou boba. Punha os moleques pra dormir na minha cama, “ele não tem pra onde ir, coitado”, e dormia comigo no sofá da sala. No meio da noite, João sumia.

Quando bebia além da conta e se punha a fazer escândalo, eu lhe dizia: qualquer hora pego minha bolsa e vou embora sem nem me despedir. Ele não acreditava. “Mulher é tudo igual”, dizia.

Um dia eu estava na cozinha preparando o almoço quando João entrou e me viu despejar meio litro de azeite, dos bons, no copo do liquidificador. “Pra que tanto azeite?”, berrou. A receita é essa, molho pesto é assim mesmo, vai azeite pra burro. Não sei por que, meus olhos se encheram de lágrimas. Liguei o liquidificador na potência máxima e aquele barulho infernal, e aquele manjericão todo moendo lá dentro, e aquelas nozes sendo trituradas, e aquele verde virando pasta cheirosa, foi me dando uma coisa de novidade, de começar de novo, uma coragem, que eu fui ao quarto e peguei minha bolsa. O liquidificador ficou ligado. Depois disso arranjei tanta coisa pra fazer, pra me divertir, que nem tive tempo pra solidão. João Teodoro estava certo, mulher é tudo igual. Um dia vira tudo Marieta.

(este conto está no livro Falo de Mulher, ed. Ateliê)